Por Isabela de Castro Andrade da Silva. 

 

O dia 18 de outubro de 2020 ficou marcado na história boliviana como o dia da retomada da direção do país por parte do Movimento ao Socialismo (MAS), após um ano de governo de Jeanine Añez.

 

Cabe lembrar que Añez assumiu a presidência de forma interina na data de 12 de novembro de 2019, valendo-se do vácuo momentâneo de poder e usufruindo de uma brecha constitucional, prometendo convocar eleições logo em seguida. No entanto, a ascensão da pandemia do Sars-cov-2 levou o país a um novo período de instabilidade, tanto no âmbito da saúde pública quanto de seus indicadores econômicos, o que forçou o adiamento das eleições para 18 de outubro de 2020, ainda que sob protestos da oposição.

 

Mesmo exilado na Argentina, Evo Morales conduziu a indicação de Luis Arce, seu ex-Ministro da Fazenda e Economia, para disputar o pleito presidencial pelo MAS. Era grande o componente de tensão que envolvia as expectativas acerca de como a oposição reagiria com a nova vitória do MAS, tendo em vista que o pleito anterior, no qual Evo foi vencedor, não fora aceito pelos oposicionistas em 2019. À época, a Organização dos Estados Americanos (OEA), os setores dirigentes das Forças Armadas e a oposição uniram posições para rechaçar os resultados, sob a alegação de fraude.

 

O resultado oficial foi anunciado na sexta-feira, dia 23 de outubro: Arce, do MAS, venceu com 55,11% dos votos; Carlos Mesa, do Frente Revolucionario de Izquierda (FRI), ficou em segundo, com 20,7%; e Luis Fernando Camacho em terceiro, com 14,0%. Já no dia seguinte às eleições e ainda sem o pronunciamento oficial dos resultados, Carlos Mesa, o principal contendor do MAS, já havia reconhecido a vitória de Arce. No entanto, faltando dois dias para a posse oficial, o porta-voz do MAS denunciou um atentado com banana de dinamite à sede de campanha de Arce no momento em que estava ocorrendo uma reunião, com a presença do presidente.

 

Por fim, no último dia 08 de novembro, Luis Arce e David Choquehuanca, tomaram posse como presidente e vice-presidente, respectivamente, numa cerimônia oficial no Palácio Quemado, que contou com o destaque das presenças das delegações da Espanha, na forma do rei Felipe VI, da Venezuela, do Irã, da Argentina, na forma do presidente Alberto Fernández, e dos Estados Unidos. Desde então ambos vêm nomeando ministros e juntas militares que comporão seu governo. Já na segunda-feira, dia 09, Evo Morales retornou ao território boliviano e seu papel neste novo governo ainda é bastante incerto, mas um ponto é certo: Arce se esforça para afirmar que ele não é equivalente a Morales, buscando firmar aproximações com a ala moderada da oposição e isolar os segmentos radicais, tais como os que protagonizaram o atentado às vésperas da posse.

 

São pontos fulcrais da agenda de governo de Arce a busca do reavivamento da economia boliviana, o restabelecimento das relações diplomáticas com Cuba e com o governo de facto Venezuela, que haviam sido rompidas por Añez, e o combate à pandemia do COVID-19. Quando questionado sobre o relacionamento da Bolívia com o Brasil, Arce afirmou que não concorda com os termos negociados pelo governo de Jeanine em relação à exportação de gás natural, e que irá renegociá-los. Cabe destacar que em 2017 o Brasil importou da Bolívia 27% do gás utilizado pelo país, sendo essa, portanto, uma questão relevante do relacionamento bilateral.

 

Outro ponto sensível em termo de segurança que deve ser observado é que no dia 16 de novembro, no contexto dos Estudos do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos, ocorreu a reunião anual da ASTMH (Sociedade Americana de Medicina Tropical e Higiene) onde foi apresentado o resultado de uma pesquisa implementada pelo Centro Nacional de Doenças Tropicais norte-americano e o Ministério da Saúde da Bolívia que evidencia a transmissão entre humanos do vírus Chapare, causador da febre hemorrágica. No ano de 2004, houve um surto nas proximidades de La Paz e, em 2019, foram registradas as mortes de dois profissionais de saúde em decorrência de novas infecções na Bolívia.

 

O desenho da relação entre Arce e Bolsonaro ainda está em fase de esboço. O presidente boliviano afirmou que não entrará no mérito ideológico da relação, e se orientará por uma postura pragmática. Ainda não se sabe o que esperar do novo governo, uma vez que mesmo sendo vinculado ao MAS, Arce deseja fazer um governo independente da figura de Morales e defende a ideia da necessidade de renovação visando cativar a população mais jovem. De qualquer forma, os pontos supracitados já se apresentam como desafios importantes neste novo desenho sub-regional.