Por Fernanda Moreira Lins

 

A última etapa da eleição presidencial na Argentina ocorreu ao final do mês de outubro, culminando na vitória da coalizão Frente de Todos, sendo Alberto Fernández e Cristina Kirchner presidente e vice-presidente, respectivamente. A vitória se deu com 48% dos votos, enquanto a oposição, representada pela coalizão Juntos por el Cambio, de Mauricio Macri, angariou 40%. O Presidente e a Vice-Presidente foram empossados em 10/12/2019. Apesar de representarem uma mudança, Fernández e Kirchner enfrentarão nos próximos anos grandes desafios políticos e econômicos, potencializados pela já desgastada tolerância da população argentina em face do descumprimento de compromissos e frustração de expectativas de parte do eleitorado e da sociedade em geral Como pano de fundo imediato deste panorama de dificuldades estão os seguintes aspectos:

 

  • A vice-presidente eleita, Cristina Kirchner, está respondendo uma série de processos judiciais vinculados a acusações de corrupção. Devido aos cargos que já exerceu e exerce, senadora antes da vitória nas eleições de outubro e agora vice-presidente, Cristina segue imune aos pedidos de prisão preventiva.

 

  • Em 2018, o governo tomou um empréstimo de cerca de U$ 57 bilhões junto ao FMI, anunciando, já em 2019, que elaboraria pedido de adiamento do prazo para o pagamento. A inflação acumulada do país é de 48,3%, e a taxa de desemprego, de 9,98%, a maior dos últimos 12 anos.

 

  • Em setembro, foi realizada uma série de protestos em Buenos Aires, reivindicando medidas de combate ao desemprego e à inflação, bem como ações do governo no combate à fome. Cabe destacar que o kirchnerismo possui robusta ascendência sobre as direções políticas de diversos movimentos sociais, especialmente na seara sindical.

 

  • Ao longo do período eleitoral, não ocorreram no país manifestações sociais de maiores proporções. No centro do debate político, estiveram os questionamentos de Alberto Fernández às políticas de austeridade fiscal adotadas por Macri, bem como à resposta popular mais passiva a essas medidas. 

 

Diante de um contexto sul-americano de ebulição social, no qual muitos países veem seus conflitos políticos transbordarem para além de suas próprias instituições e fronteiras, a Argentina se encontra em um cenário relativamente pacífico. A polarização política existe e persiste, mas se processa dentro dos mecanismos eleitorais e decisórios. No entanto, o prolongamento do atual cenário de debilidade econômica e social tende a maximizar o custo da incerteza no futuro do país, dificultando o retorno a uma condição de estabilidade política ainda relativamente distante do cotidiano argentino.

 

1 Graduanda em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB), pesquisadora da linha Entorno Estratégico Brasileiro, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional (GEPSI).