Por Victor Leão Wobeto 1

 

Às vésperas da eleição extraordinária que reativará o Congresso, marcada para o dia 27 de janeiro, os peruanos demonstram sua desconfiança  para com o sistema político em vigência. Essa posição não surpreende em um país que, após o desastroso período sob o comando de Alberto Fujimori na década de 1990, viu todos seus presidentes desde 1985 investigados, sem exceção, e quase sempre condenados por corrupção. Se a natural comparação com os vizinhos sul-americanos, como os fronteiriços Chile, Equador e Colômbia, sugere certa estabilidade social, um olhar atento revela um processo de ampla insatisfação, uma calma chicha, como diriam os habitantes da América castelhana, a tranquilidade que precede a tempestade. Combinando na economia bons resultados e diversificação produtiva, as próximas eleições, cuja estrela deverá ser mais uma vez o não-voto, requerem análise de maior complexidade. 

 

  • Na condição de presidente peruano desde março de 2018 – assumindo após renúncia de Pedro Pablo Kuczynski, acusado de corrupção –, Martín Vizcarra teve seu ápice de aprovação popular quando procedeu, por meio do dispositivo constitucional da “questão de confiança”, a dissolução do Congresso Nacional. Legalmente exercida, essa forte ação do Executivo manteve um padrão estabelecido por Vizcarra: concentrar esforços para responder à principal demanda da população peruana, o combate à corrupção. Quando a ele se opôs um coeso Congresso de maioria fujimorista, ligados à filha do ex-Presidente, Keiko, o desenlace quase natural foi a incompatibilidade levada à sua última instância. 

 

  • Disseminada por quase todos os âmbitos da sociedade peruana, a corrupção é acompanhada e fortalecida por um frágil sistema político marcado pela inexistência de partidos nacionais, coesos e com algum programa ideológico definido. Situação muito próxima àquela que nos anos 80 precedeu a afirmação de Alberto Fujimori, que comandaria o país por toda década de 1990, estabelecendo uma orientação econômica ultraliberal, que em certa medida mantém-se até hoje, em sintonia com uma tecnocracia relativamente estável na administração pública, também capaz de promover avanços notáveis através de programas sociais. 

 

  • Se esta tecnocracia pode ser responsabilizada por uma comemorada estabilidade econômica, que manteve bons níveis de crescimento do PIB nacional desde o início deste novo século, a análise mais detalhada pode mostrar que aspectos como a desigualdade, o desemprego e a informalidade, a disseminação da violência e a insegurança cidadã, assim como o aumento da pobreza no ano de 2017 – após uma redução que era constante desde 2004 (de 40% para 20% dos peruanos em 2018, segundo o Instituto Nacional de Estadística e Informática) – marcam um processo de insatisfação popular que, ao menos até agora, ainda é latente, mas não muito distante das causas que há pouco fizeram explodir as manifestações populares nos seus vizinhos Chile e Equador. 

 

  • Se por um lado podemos concluir, dentro da conjuntura andina recente, que no Peru o povo está ou satisfeito ou apenas silenciosamente descontente em relação aos rumos políticos e estruturais da República, dois fatores podem ajudar a compreendê-los: o primeiro é a canalização das ebulições sociais pela medida de fechamento do Congresso, que naturalmente pacificou ideários de maior imposição popular. O segundo ponto consiste na alta profusão de protestos, manifestações e requerimentos civis em marcha ao longo deste ano. Através da Defensoría del Pueblo, somente em outubro apontou-se 134 protestos ativos e 53 não resolvidos, dos quais 67% estão relacionados às demandas socioambientais, na maioria com a presença das mineradoras. 

 

Os peruanos terão nos nomes escolhidos para representá-los, num curto mandato ao congresso unicameral em 2020 e nas eleições gerais de 2021, a possibilidade de evitar o acirramento de uma crise institucional que hoje parece ser inerente aos meios executivo, legislativo e judiciário, bem como ao seu complemento empresarial, nacional ou estrangeiro. O amplo desinteresse popular ao páreo do próximo mês de janeiro de 2020 não suscita muitas esperanças. Mesmo que por um curto período de mandato, os congressistas elegidos serão centrais nos rumos futuros do país, sendo responsáveis, além do auxílio e controle do Presidente Vizcarra em seus ímpetos reformistas, pela eleição de 6 dos 7 membros do Tribunal Constitucional, instância judiciária máxima cuja última nomeação foi o estopim da destituição dos congressistas neste ano.  

 

1  Graduando em História na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).