Por Renato Arthur Franco Rodrigues 1

 

Em outubro de 2019, uma série de manifestações políticas sacudiu o Chile. O país se viu em meio a uma grave crise social, com protestos registrados em diversas regiões do país, contabilizando 21 mortos e denúncias graves de repressão policial e militar. Segundo os analistas políticos e representantes dos movimentos sociais, desde o final da ditadura militar não se verificava tamanha repressão.

 

O estopim da crise foi o anúncio do aumento das passagens de metrô em 30 pesos chilenos, algo próximo aos R$ 0,20. A medida foi prontamente revogada pelo parlamento, que chegou a se reunir em pleno domingo para garantir a votação. No entanto, a revolta passou a questionar de maneira mais contundente algumas questões estruturais do país. Vejamos alguns pontos centrais para entender a crise chilena:

 

1. A situação socioeconômica do país:

O custo de vida pressiona cada vez mais o orçamento das famílias chilenas. A previdência é capitalizada, ou seja, é financiada a partir de financiamentos individuais, sem a participação do governo, o que torna o valor das aposentadorias reduzido. Além disso, o sistema educacional, inclusive o público, é custeado pelas famílias chilenas, tornando-o caro se comparado ao de outros países. O sistema de saúde também é privado, e muitos cidadãos do país simplesmente ficam sem acesso ao mesmo.

 

2.  Histórico recente de manifestações:

Há anos o Chile acompanha um processo de manifestações políticas, ainda que de menor expressão. Estes protestos, majoritariamente de caráter estudantil, criaram uma tradição de mobilização popular no país, o que criou as bases para as manifestações de largo alcance observadas ao longo do último trimestre de 2019.

 

3. Forte repressão policial:

Durante os protestos, houve várias denúncias graves de abusos cometidos pela repressão policial e militar. Relatos de abusos sexuais, torturas em estações de metrô, danos oculares a manifestantes, e até mesmo a colocação de soda cáustica nos jatos d’água disparados contra os manifestantes, motivaram uma denúncia perante o Tribunal Penal Internacional. Segundo analistas políticos e representantes dos movimentos sociais, desde o final da sangrenta ditadura chilena, não havia tamanha repressão.

 

4. Ampliação do escopo das reivindicações:

O estopim da revolta no Chile foi o anúncio do aumento das passagens de metrô em 30 pesos chilenos, algo como R$ 0,20. Após a revogação do aumento pelo Congresso, os protestos passaram a pedir a renúncia de Piñera. Após uma ampla reforma ministerial, as manifestações foram ainda mais além – passaram a exigir uma nova constituição para o país. A atual Constituição ainda remonta ao período ditatorial. Os chilenos demandam, portanto, um novo pacto social para o país.

 

Em relação às implicações para o Entorno Estratégico Brasileiro, há um risco de contágio dos protestos chilenos, seja por identificação com a situação socioeconômica vivida pelo Chile, por similaridade de reivindicações de segmentos da sociedade brasileira com as demandas da sociedade chilena, ou por uma tentativa de reviver as manifestações ocorridas no Brasil em 2013. Esses fatores alimentam a  possibilidade de protestos também eclodirem por aqui. A repercussão dos protestos chilenos ensejou uma série de declarações de autoridades brasileiras, incluindo o Presidente da República, Jair Bolsonaro, que cogitou reprimir grupos que, porventura, tenham a intenção de repetir a experiência chilena por aqui. Isto demonstra que há um potencial de contágio a depender do curso dos acontecimentos naquele país e também do desempenho da economia brasileira ao longo deste ano de 2020, o que pode amortiguar ou fazer recrudescer a propensão da sociedade à mobilização nas ruas.  

 

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável (PPGCDS), pesquisador da linha Entorno Estratégico Brasileiro, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional (GEPSI).