Por Alixandro Werneck Leite e Stefani Tavares

 

 

1. Introdução

 

Tal como o mundo vivenciou influências de diversos atores no sistema internacional em diferentes séculos, se faz de indubitável relevância afirmar que o fim do século XX, caracterizado pelo Pós Guerra Fria, é marcado pela ascensão norte americana. De acordo com Lacerda (2003), diversos autores buscam compreender a atuação de como se dá a política dos Estados Unidos, e como ela se realiza frente às novas mudanças no sistema e no mundo. Com base nisso, os governos ocorridos nesses períodos demonstram diferentes formas de percepção e de como lidar com as novas ameaças e desafios no mundo. No caso do governo de Bill Clinton (1993-2001), percebe-se a presença de um período de hesitações em relação à política externa, com certa dosagem de ameaças ou ações por parte do governo dos Estados Unidos, e uma promoção de acordos pacíficos como o de Camp David (Israel e Palestina), a fundação do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, ambos em 1994. Por outro lado, no caso de George W. Bush (2001-2009), uma atuação de beligerância neoconservadora com situações específicas como no Afeganistão e no Iraque.

 

Os governos de Barack Obama (2009-2017) e de Donald Trump (2017-atualmente) encontram comportamentos contrários, principalmente com o intuito de dar uma diferente guinada à política externa. A oscilação de posicionamento entre os governantes é contundente, principalmente, pela mudança de partidos (Democratas e Republicanos) e a necessidade de ser uma “nova política”, caso específico de Trump. Como recordado por Armstrong (2013), Barack Obama, em seu discurso afirmou que o século 21 seria novamente um grande período para a América.

 

Dessa forma, é importante salientar de acordo com o autor que Barack Obama foi eleito em um momento de contestação da liderança norte-americana como na década de 1970. Nessa fase, havia indicações da possibilidade em longo prazo, do surgimento da República Popular da China como um futuro hegemon, isso caso ocorressem evoluções na área social. Entretanto, há o consenso nacional quanto à política de manutenção de uma posição da hegemonia se manter inalterada, não importa o posicionamento político.

 

A política externa dos Estados Unidos, quanto aos desafios existentes, encaixa-se entre a manutenção de um status quo[1] e a mudança de regimes que não se adequam ao considerado “valores padrões de democracia” reconhecidos por instituições referências em democracia como as Nações Unidas. Baseado nisso, esse texto busca compreender as ações em diferentes regiões ou com Estados, dentro das acepções de realismo de John Mearsheimer, cunhados como ofensivos e defensivos.

 

2. A política externa dos Estados Unidos no século XX

 

2.1. O governo de George W. Bush(2001-2009)

 

A política externa cometida por parte de George W. Bush no primeiro momento (os 10 primeiros meses de governo) esteve fortemente relacionado ao de seu antecessor, Clinton (Guimarães, 2002). Com uma postura ainda tateável nas ações externas, Bush não apresentou condutas específicas até ocorrer o ataque de 11 de setembro de 2001 nas Torres Gêmeas em Nova Iorque. Após tal fato, as prioridades alteraram substancialmente como uma redução de interesse por certos acordos multilaterais e uma fixação em temas relacionados aos sistemas antimísseis.

 

Igualmente, com o contexto ocorrido pelas guerras tanto em territórios como o Afeganistão e o Iraque, os resultados obtidos das políticas internas como o chamado “Ato Patriótico”, Bush consegue se posicionar e enfrentar como foco inicial, as dificuldades internas que se manifestaram depois de 11 de Setembro. Tais pontos foram completamente regidos por políticos antiterroristas fomentadas por secretários de Estado como Colin Powell (2001-2005) e Condoleeza Rice (2005-2009) e os resultados das crises seguintes como do Antrax e também a chamada “Preemptive War” ou Doutrina Bush.

 

Bush começa então uma reação a partir dos meses seguintes ao atentado de 11 de Setembro, conhecida como a cruzada ao terror. A culpa infligida ao Afeganistão devido ao autor dos ataques, Osama Bin Laden residir e ser apoiado pelo regime Talibã. O resultado imediato na região foi à derrubada do governo Talibã, o que motivou a busca por Bin Laden e a organização Al Qaeda. A ação seguinte foi à condenação das condutas do presidente Saddam Hussein de possuir armas químicas e nucleares, além de ser apoiador de Bin Laden, o que culminou com a Guerra do Iraque em 2003. Observa-se disso, uma espécie de “maniqueísmo[2] [...] [através de uma] formulação política: quem não está comigo sofrerá punição”(Guimarães, 2002, p.63). Com o novo contexto, o orçamento em defesa nacional aumentou drasticamente para cumprir com as novas demandas, além de ser necessário para prever, dissuadir e derrotar adversários (Guimarães, 2002).

 

Dessa maneira, George Bush trouxe no século XXI, uma mudança de estrutura para a política americana após 11 de setembro. Ademais, foi responsável em por fim em nas questões referentes às vulnerabilidades americanas e sua capacidade em se manter enquanto hegemon no mundo. Contudo, nota-se dentro de sua maior preocupação, a existência de uma frente contra ao terror em torno de alguns atores e uma justificativa da política bélica e intervencionista (Santos, 2013).

 

Um ponto a ser constatado nisso foi a existência de um contraposto, o que Vigevani e Oliveira(2001) identificam na condição de competição estratégica por parte da China e Rússia, o rompimento de acordos, e um isolamento em torno de um grupo de Estados a favor de suas ações, fora a busca do acordo de paz entre Israel e Palestina. Tal perfil poderia ser entendido como unilateral, agressivo e ofensivo por parte da condução da política externa americana.

 

2.2 O Governo de Barack Obama (2009-2017)

 

Conforme compreendido a partir de Armstrong (2013), a política externa de Barack Obama ou Doutrina Obama, pode ser encaixada em torno de algumas áreas ao longo de dois mandatos. A existência de novos desafios como consequência das ações do governo Bush propiciaram a aparição de blocos como no Oriente Médio, no Oceano Pacífico (Mar do Sul da China), na maior participação da Rússia no sistema internacional (caso da Criméia) ou surgimento de novas potências como a China e Índia, entre outros, o que poderia entender como “pivot towards Asia”.

 

 O primeiro foi sobre a preocupação com os resultados da Guerra do Iraque e do Afeganistão. Os desdobramentos decorrentes de tais conflitos como principalmente a forma de se encerrar e ao menos, o sistema político iraquiano estivesse sem posições contrárias e violentas. Krieg(2016) aponta a existência de guerras substitutivas (surrogate warfare ou até proxy war) como meio de se estender o problema inicial. Caso verifiquemos a situação inicial no período do 11 de Setembro e comparamos com os dias atuais, novos atores surgiram com agendas e demandas mais específicas e com maior ou menor potencial de dano ao sistema internacional.

 

A doutrina Obama teve como desafio, a questão interna e os resultados das tomadas de decisão do governo anterior. Em meio ao desgaste produzido por longos anos de conflitos, percebe-se uma necessidade de continuar a produzir ou finalizar a guerra nessas regiões mas sem provocar mais danos internos ao Estado (Krieg, 2016), algo parecido ao final da Guerra do Vietnã. Em termos de gastos militares, o governo Obama segue a Doutrina Rumsfeld e o seu conceito de “military lite”, ou seja, as cifras intensificaram e propiciam ser capaz de ter valores acima dos outros mesmo somados.

 

Um segundo aspecto estaria nos temas decorrentes da Primavera Árabe e especialmente, no caso da Síria e o surgimento do ISIS em 2014. O conflito decorrente disso surgiu em meio à crise existente no Iraque, motivados por grupos de interesses que perderam espaço com a implantação de um novo sistema política no governo Bush. Como considerado por Obama, essa seria uma versão dos próprios habitantes do Oriente Médio serem capazes de resolver os seus problemas (Krieg, 2016), um fator condicionante nesse conflito estaria na redução de participação dos Estados Unidos no tema.

 

Um terceiro tema importante irá se desenvolver na questão nuclear iraniana, através da diplomacia, outro fator diz respeito às regiões de Palestina e Israel, devido a um complicado relacionamento entre Benjamin Netanyahu e Barack Obama. O quarto tema e extremamente importante são as relações entre China e Rússia que tem se mostrado grandes potências em suas capacidades nos últimos tempos, ameaçando assim a estabilidade dos Estados Unidos, como maior potência (Armstrong, 2013).

 

O quinto aspecto estaria na China, em especial, devido a seu forte avanço desde a década de 90, aliada a um crescimento econômico, influência política e poderio militar, muito atuante no sistema internacional. Na qual, muitos apontam que esta seria adversária dos Estados Unidos, criando assim uma nova bipolaridade mundial. As novas tecnologias de guerra também se apresentam como um novo tema a ser debatido neste governo. Os veículos aéreos não tripulados (VANT’s) são um forte exemplo, por fim o último tema abrange a questão do sistema financeiro internacional devido à influência da economia norte americano no mundo, se tem a necessidade de sua manutenção e organização constante.

 

3. Mearsheimer e a política externa dos Estados Unidos

 

O fim da Guerra Fria como ressaltado por Mearsheimer “marcou uma mudança profunda na forma como as grandes potências interagem”(Mearsheimer, 2001, p.19). O principal objetivo agora reside na maximização de poder de cada estado, o que significa ter maior poder em relação ao outro estado e assim, se torna mais capacitado para se desenvolver e se manter no sistema internacional. A finalidade consiste se tornar um estado hegemônico e por fim, a única grande potência no sistema, fator este que não ocorre devido ao sistema ser anárquico, e o “poder parador das águas”, a maior fonte de poder é se tornar uma potência regional.

 

Mearsheimer (2001) tem o objetivo então de oferecer uma alternativa realista ao otimismo dominante no período sobre as relações entre as grandes potências. Nisso, o sistema internacional é o principal responsável por moldar o comportamento dos Estados, e tanto a anarquia como a distribuição de poder acabam por se tornar fatores essenciais para se explicar a política internacional.

 

Deste modo, o realismo é dito como uma teoria descritiva, uma vez responsável por explicar como as grandes potências atuaram no passado e fazer prospecções de suas ações no futuro, ou seja, o realismo ofensivo é o fim para obtenção daquilo que se necessita no sistema. Tal aspecto é um dos pontos divergentes da perspectiva de Waltz. Para ele, o realismo defensivo consiste no poder como o meio. Diante disso, é importante relembrar porque os Estados buscam poder. Mearsheimer (2001) se delimita em quatro hipóteses:

 

  1. A anarquia como princípio ordenador;
  2. As grandes potências buscam uma capacidade militar ofensiva;
  3. Os Estados nunca estão certos com as intenções dos outros;
  4. Há a busca pela sobrevivência e os atores são racionais.

 

Para ele as grandes potências se concentram em atingir quatro objetivos básicos acima. No caso, consistem nos fins operacionais de um Estado como obter a hegemonia regional, a máxima riqueza, as forças terrestres proeminentes e a superioridade nuclear (capacidade de provocar a dissuasão). Ademais, de acordo com Mearsheimer (2001), mesmo que a política externa norte americana tenha se mostrado liberal por uma boa parte do tempo, ela mesma segundo ele “tem sido guiada pela lógica realista, apesar de as proclamações públicas dos seus líderes puderem levar-nos a pensar o contrário” (Mearsheimer, 2001, p.40).

 

Caso visualize a ação dos Estados por Mearsheimer, percebe-se os Estados Unidos como são responsáveis por dizer algo e cumprir com o oposto do primeiro pensamento, por dois motivos. O primeiro é que “as políticas realistas coincidem por vezes com os ditames do liberalismo, não existindo conflito entre a busca de poder e obediência a princípios” (Mearsheimer, 2001, p.41). Um exemplo disso estaria na atuação e combate ao fascismo na Segunda Guerra e ao comunismo na Guerra Fria, e em segundo “quando as considerações de poder forçam os Estados Unidos a atuarem de forma contraditória com os princípios liberais” (Mearsheimer, 2001, p.41).

 

Para finalizar é importante então relembrar que é impossível que um estado alcance hegemonia global, mesmo que se tenha a caso de exemplo os Estados Unidos como o mais poderoso, mas representam uma hegemonia regional, reside aí a necessidade de comparação entre as novas políticas externas dos governos, a fim de se continuar compreendo a busca dos Estados Unidos pela sua permanência como hegemonia regional (Mearsheimer, 2001).

 

[1] Situação vigente.

[2] Filosofia fundada por Maniu Maquineu, baseado na existência de somente dois lados opostos, o bem e o mal.

 

 

4. Referências

 

ARMSTRONG, R. P. A Política Externa Norte-Americana: Análise Histórica de Divergências Partidárias. 4o Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais. Belo Horizonte: [s.n.]. Disponível em: <http://www.encontronacional2013.abri.org.br/>.

GUIMARÃES, C. A política externa dos Estados Unidos: da primazia ao extremismo. Estudos Avançados, v. 16, n. 46, p. 53–67, 2002.

KRIEG, A. Externalizing the burden of war: The Obama Doctrine and US foreign policy in the Middle East. International Affairs, v. 92, n. 1, p. 97–113, 2016.

LACERDA, G. B. DE. A ação externa dos Estados Unidos em perspectiva. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 19, n. 54, p. 169–174, 2003.

MEARSHEIMER, J. J. The Tragedy of Great Powers Politics. Nova Iorque e Londres: W W Norton & Company, 2001.

SANTOS, D. G. DOS. A Hegemonia Americana no Pós-Guerra Fria: Continuidade ou Declínio? Conjuntura Global, v. 2, n. 3, p. 103–111, 2013.

VIGEVANI, T.; OLIVEIRA, M. F. DE. A política externa norteamericana em transição: de Clinton a George W. Bush. Política Externa, v. 10, n. 2, p. 71–101, 2001.