por Gabriel da Silva Meira

 

A região do Oceano Ártico sempre foi vista como secundária no que diz respeito às ambições econômicas e militares dos países costeiros. No entanto, essa realidade começa a mudar drasticamente com o aquecimento do planeta e o consequente derretimento das calotas polares. Sabe-se que a área em questão possui uma quantidade considerável de petróleo e gás ainda inexplorados, além de uma rica fauna marinha que certamente pode vir a ser objeto de exploração comercial. Assim sendo, o gelo mais fino e maleável facilita a navegação pelas águas do Ártico e aumenta a cobiça sobre essas riquezas de importantes atores da região (NATO, 2017).

 

A mudança de abordagem dos países da região começou ainda em 2007, quando militares russos fincaram sua bandeira em uma área na qual clamam soberania, apesar de relatórios feitos por agências internacionais dizerem o contrário (PARFITT, 2007). Não é ingênuo inferir que as ações do Kremlin não pararam por aí; pelo contrário, aumentou o número de movimentos militares russos no Ártico, o que demonstra o claro interesse de Moscou em se tornar a principal potência da região. É importante ter em mente que parte dos movimentos liderados pelas forças de Vladimir Putin constantemente são realizados em locais muito próximos às águas territoriais de outros países, sendo a Noruega um grande exemplo (BERSHIDSKY, 2019).

 

Pode-se citar como exemplo o grande exercício russo denominado Vostok 2018, que foi o maior movimento militar feito por Moscou desde a época da União Soviética e que contou com uma tímida participação de militares chineses. O investimento feito para a realização do evento foi de tal magnitude que chamou a atenção dos países-membros da OTAN, que por anos pareciam “dormir no ponto” frente às investidas russas na região. A aliança efetuou um grandioso exercício em resposta ao Vostok 2018 (STOICESCU, 2018). Denominado Trident Juncture, o teste militar efetuado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte em território norueguês pode e deve ser visto como uma clara resposta aos exercícios militares no Ártico, muito embora membros da OTAN e do próprio governo da Noruega neguem essa informação (NATO, 2018).

 

Os Estados Unidos de Donald Trump somente demonstraram certo ceticismo com a questão recentemente. Importante frisar que, no início de sua gestão, o presidente estadunidense reduziu verbas de Defesa que tinham a construção de um navio quebra-gelo como principal objetivo; no entanto, parte do montante anteriormente contingenciado foi liberada posteriormente dado o fato de que o país possui apenas um icebreaker com capacidade de quebrar camadas espessas de gelo em operação no Ártico (THE MARITIME EXECUTIVE, 2019). Diante do lançamento de um novo quebra-gelo nuclear pela Rússia (e de mais dois em estágio acelerado de produção), fica evidente que Moscou é a principal potência do Ártico. Washington, por outro lado, parece concentrar todos os seus esforços na irracional guerra comercial contra a China que, por sua vez, aproveita inteligentemente o momento para criar relações amistosas com a Rússia.

 

A mudança no discurso estadunidense em relação às atividades do Kremlin no Ártico somente começou a mudar nos últimos dias diante da suposta intenção chinesa de participar de outro grande exercício militar russo na região, o Tsentr 2019. Diante do exposto, o discurso feito por Mike Pompeo na Finlândia demonstra uma mudança na abordagem feita pela Casa Branca na questão. Ao classificar os movimentos russos como agressivos e provocativos à segurança global (JOHNSON, 2019), entendida aqui como a ausência de ameaças à coexistência dos atores (Booth, 2014, p. 14), o Secretário de Estado demonstra, ainda que tacitamente, que os Estados Unidos estão em alerta e poderão responder às provocações de alguma forma. Além disso, Pompeo também classificou as intenções chinesas na região como igualmente agressivas e perigosas, insinuando que a presença de Pequim no Ártico pode abrir margem a pretensões territoriais semelhantes às existentes na região do Mar do Sul da China.

 

Ainda não se sabe quais são as reais intenções da Rússia com o fortalecimento de suas tropas militares no Ártico; no entanto, pode-se entender os exercícios militares russos na região como uma mensagem ao Ocidente no sentido de demonstrar que o país está pronto para defender sua soberania e seus interesses na região, custe o que custar.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BERSHIDSKY, L. Putin’s Arctic Plans Are a Climate Change Bet. The Moscow Times. 2019. Disponível em: https://www.themoscowtimes.com/2019/05/28/putins-arctic-plans-are-a-climate-change-bet-a65780>.

 

BOOTH, K. Global Security. In KALDOR, M.; RANGELOV, I. The Handbook of Global Security Policy. Edited by John Wiley & Sons, Ltd, 2014, p. 11-30.

 

BUCHANAN, E; BOULEGUE, M. Russia's Military Exercises in the Arctic Have More Bark Than Bite. Foreign Policy. 2019. Disponível em: <https://foreignpolicy.com/2019/05/20/russias-military-exercises-in-the-arctic-have-more-bark-than-bite/>.

 

JOHNSON, S. Pompeo: Russia is "aggressive" in Arctic, China's work there also needs watching. Reuters. 2019. Disponível em: <https://www.reuters.com/article/us-finland-arctic-council/pompeo-russia-is-aggressive-in-arctic-chinas-work-there-also-needs-watching-idUSKCN1SC1AY>.

 

NATO. NATO and security in the Arctic. NATO. 2017. Disponível em: https://www.nato-pa.int/download-file?filename=sites/default/files/2017-11/2017%20-%20172%20PCTR%2017%20E%20rev.1%20fin%20-%20NATO%20AND%20SECURITY%20IN%20THE%20ARCTIC.pdf>.

 

NATO. Norway uses Exercise Trident Juncture to strengthen its national resilience. NATO. 2018. Disponível em: <https://www.nato.int/cps/en/natohq/news_160130.htm?selectedLocale=em>.

 

PARFITT, T. Russia plants flag on North Pole seabed. The Guardian. 2007. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2007/aug/02/russia.arctic>.

 

REUTERS. Russia, eyeing Arctic Future, launches nuclear icebreaker. 2019. Disponível em: <https://www.reuters.com/article/us-russia-arctic-icebreaker/russia-eyeing-arctic-future-launches-nuclear-icebreaker-idUSKCN1SV0E4>.

 

STOICESCU, K. Vostok 2018: Political and Military Significance. International Centre for Defence and Security. 2018. Disponível em: <https://icds.ee/vostok-2018-political-and-military-significance/>.

 

THE MARITIME EXECUTIVE. U.S Coast Guard Receives Funding for New Heavy Icebreaker. The Maritime Executive. 2019. Disponível em: <https://www.maritime-executive.com/article/u-s-coast-guard-receives-funding-for-new-heavy-icebreaker>.