Por Renato Ventocilla Franco

 

 

Após o depoimento dado por Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, para o Parlamento Europeu no dia 22 de Maio, os veículos de comunicação na Europa publicaram diversas matérias mostrando ceticismo quanto ao comprometimento de Zuckerberg com mudanças na plataforma e insatisfação com as respostas evasivas dadas aos parlamentares europeus (BBC, 2018; FAZ, 2018). Coincidentemente, poucos dias depois, entrou em vigor o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR, em inglês) na União Europeia.

 

O GDPR substitui a Diretiva de Proteção de Dados Europeus (Diretiva 95/46/EC),  estabelecida em 1995 para fortalecer direitos de privacidade online (EDPS, 2018). O projeto foi proposto em 2012 e aprovado em 2016 pela comunidade europeia. A entrada do GDPR afetou empresas de todos os setores da economia e causa impactos profundos nas plataformas digitais como o Facebook, Google e outras redes sociais.

 

O Regulamento dá mais poder para o cidadão, consumidor ou usuário, permitindo que qualquer pessoa possa pedir acesso ao banco de informações que empresas tenham sobre ela, além da liberdade de solicitar alterações ou a exclusão destes. É obrigatório também especificar o uso que se faz desses dados quando solicitado por usuários e empresas podem responder juridicamente em caso de vulnerabilidade da segurança dessas informações (NEXO, 2018). O GDPR também permite o direito de portabilidade de dados, estabelecendo que usuários tenham liberdade de migrar as informações acumuladas em uma rede social para outras (NEW YORK TIMES, 2018). Tais medidas visam quebrar monopólios digitais e impulsionar inovação nesse âmbito.

 

Os esforços para tentar equilibrar o poder dos consumidores com esses serviços na internet ainda enfrenta críticas bem fundamentadas quanto á sua viabilidade. Alisson Cool, professora de antropologia da informação da Universidade do Colorado, ressalta que o sistema de regras é extremamente complexo e vários especialistas ainda se mostram confusos quando estudam o tema (NEW YORK TIMES, 2018). Cool acredita que a regulação somente deva ser decidida no futuro, após disputas nas cortes europeias de justiça sobre diferentes interpretações do novo Regulamento.

 

Enquanto alguns criticam as ambiguidades do GDPR, outros veem oportunidades políticas no novo conjunto de regras. Após a execução das novas regras de proteção de dados no dia 25 de Maio, diversos serviços digitais solicitaram um novo pedido de aceitação de novos termos de compromisso que coadunasse com as novas normas legais e regulamentares. No entanto, essas diferenças aparentes não representam mudanças significativas no modelo de negócios de serviços digitais e omitem o verdadeiro impacto do GDPR, que são os novos instrumentos para disputar uma miríade de questões políticas ou jurídicas com o lucrativo modelo de e-commerce (ou comercio eletrônico). Nesse aspecto, os reguladores europeus possibilitaram a criação de uma estrutura que poderia coordenar e fortalecer ações coletivas contra os gigantes digitais.

 

Uma dessas ações é contra o Facebook. Desde que o GDPR entrou em vigor, Max Schrems, um ativista digital austríaco, entrou com três ações contra o Facebook e uma contra a Google (WASHINGTON POST, 2018). Schrems argumenta que o Facebook não pode exigir que usuários europeus concordem com as práticas de extração de dados da empresa como condição para fazer parte da rede social. Os dados dos usuários são utilizados pela plataforma para gerar receita por meio da venda dessas informações para anunciantes, que desejam saber os produtos e serviços específicos que potenciais clientes desejam.

 

O modelo de negócios do Facebook é chamado de “mercado bilateral” pois conecta concomitantemente compradores e vendedores. Os usuários não são clientes, mas produtos. Os anunciantes são os verdadeiros clientes pois pagam pelos dados pessoais de pessoas que futuramente ofertarão bens e serviços ciente de suas preferências. O objetivo de Schrems é provar que os dados coletados pela plataforma não são relevantes para prover os serviços pelos quais os usuários se beneficiam, inibindo a possibilidade de anunciantes comprarem dados dos usuários sob o argumento de que esse serviço não pode estar incluído nos termos de compromisso do Facebook. A plataforma sustenta que os serviços para usuários e anunciantes são inseparáveis. Caso Schrems seja bem-sucedido, a ambiguidade do novo regulamento possibilita que ativistas digitais consigam indenizar diversos milhões de usuários da rede, obrigando-as a abandonar o espaço digital europeu ou mudar o modelo de negócios.

 

Os conflitos jurídicos que podem vir a ser decorrentes do GDPR abrem uma variedade de possibilidades sobre o futuro da governança da internet. A possibilidade de quebra de monopólio de gigantes digitais é uma delas, criando incentivos para que essas empresas interpretem o novo regulamento a seu favor. O impasse jurídico criado por Schrems contra o Facebook mostra que o novo conjunto de regras europeias não representa o amadurecimento do processo de governança da internet, mas seu início.

 

Referências

 

BBC. “Zuckerberg’s European Parliament Testimony Criticized”. Disponível em: <http://www.bbc.com/news/technology-44210800> Acesso em 28 de Maio de 2018.

 

EUROPEAN DATA PROTECTION SUPERVISOR. “The History of the General Data Protection Regulation”. Disponível em: <https://edps.europa.eu/data-protection/data-protection/legislation/history-general-data-protection-regulation_en> Acesso em 28 de Maio de 2018.

 

FRANKFURTER ALLGEMEINE. “Bittere Befragung”. Disponível em: <http://www.faz.net/aktuell/wirtschaft/diginomics/bitter-kommentar-zu-mark-zuckerberg-vor-dem-europaeischen-parlament-15602996.html> Acesso em 28 de Maio de 2018.

 

NEW YORK TIMES. “EU Privacy Law Enters into Force, Activist Takes Aim”. Disponível em:  <https://www.nytimes.com/reuters/2018/05/25/technology/25reuters-europe-privacy-gdpr.html> Acesso em 28 de Maio de 2018.

 

NEW YORK TIMES. “Europe’s Data Protection Law Is a Big, Confusing Mess”. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/05/15/opinion/gdpr-europe-data-protection.html> Acesso em 28 de Maio de 2018

 

NEXO. “O que diz a nova lei de proteção de dados da Europa. E o efeito no Brasil”. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/05/25/O-que-diz-a-nova-lei-de-proteção-de-dados-da-Europa.-E-o-efeito-no-Brasil> Acesso em 28 de Maio de 2018.

 

WASHINTON POST. “Here’s how Europe’s data privacy law could take down Facebook”. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/news/monkey-cage/wp/2018/05/25/heres-how-europes-gdpr-may-take-down-facebook/?noredirect=on&utm_term=.51580e4aa5c4> Acesso em 28 de Maio de 2018.